01 dezembro, 2009

Inland Empire - exercício para diretor e platéia


O definitivamente mais surreal cineasta norte-americano, David Lynch, confirma seu exercício de estilo, de autor, com Império dos Sonhos (Inland Empire, 2006, EUA). Aquilo que chamo de exercício de estilo foi apontado por muitos outros como de insanidade, loucura. Império dos Sonhos realmente perturba. Suas quase três horas de pura experimentação fazem muitos fãs do Lynch porem sua fidelidade em cheque. O mais recente trabalho do cineasta é um caldeirão com tudo aquilo que ele já experimentou, só que maior, bem mais hermético e, principalmente, ultrapassando limites. Há muita carga de tudo. Laura Dern encabeçou o projeto como co-produtora e protagonista. Ela vive Nikki Grace, uma atriz que é agraciada com um papel numa produção hollywoodiana. Nikki interpreta Susan Blue, personagem que a envolverá a ponto de confundir com sua identidade. Ao mesmo tempo em que Nikki confunde sua identidade, o público confunde o que é Nikki, o que é Grace e o que é um sonho/pesadelo (“olhe para mim. Diga se já me viu antes”). A referência metalinguística do filme dentro do filme foi utilizada no antecessor Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001, EUA) de forma bem semelhante. Soma-se ao drama de Nikki saber que o filme que fazem é um projeto antigo que havia encalhado justo que os protagonistas da versão original haviam sido assassinados – gera-se aí uma hipótese de projeto maldito. A história inicial de Laura não é a única referência direta a Cidade dos Sonhos. Há também os efeitos de luzes piscando – destaque para o azul em cenas chave. Há também o exagero no silêncio cinematográfico, com efeitos musicais graves, gerando tensão. Enquanto estrutura narrativa, Império é uma verdadeira incógnita. Naquilo que nos é convencional, só é possível identifcar o começo. Os primeiros trinta minutos fazem um conjunto de cenas até normal para o que vem pela frente. É neles que há diálogos mais lógicos, apresentação de personagens e até um ou dois plot, que caracteriza o típico roteiro de hollywood. Mas é aí que a estrutura inevitavelmente é original: ela acontece de pura inspiração. Império dos Sonhos é resultado de gravação de cenas aleatórias conduzidas por aquilo que vinha ao Lynch no momento. Não há um roteiro. Mas há também estruturas anteriormente utilizadas pelo diretor. A história se desenrola indicando ser um quebra-cabeça, instiga o espectador a desvendar o mistério e novamente abre outro, desconstruindo as pistas. O diretor é mais uma vez ousado ao optar pela gravação inteiramente em vídeo, descartando a película. O digital é uma tendência polêmica na indústria cinematográfica. É uma alternativa a produções de baixo orçamento. Alguém já consagrado como David Lynch utilizar, é no mínimo desafiador para todos aqueles que estão inseridos em seu mesmo contexto. Vale lembrar que ainda que um filme de estética “feia” – câmera na mão, foco automático – há momentos em que Lynch faz questão de mostrar o potencial do digital. Logo no início, em um diálogo de Susan e Billy (Justin Theroux) em uma varanda, a luz natural e matinal é captada de forma belíssima, rendendo até um comentário do diretor do filme dentro do filme: “não podemos perder essa luz maravilhosa” – outra referência metalinguística. O fato de Império ter sido gravado sem roteiro e feito em estrutura nada convencional, não o isola de conter códigos a serem desvendados, muito pelo contrário, Lynch é mestre nisso. A começar pelo título: de que sonhos se refere? Ao longo da obra, é possível perceber diversas conotações. É o sonho ao glamour que hollywood oferece e é o sonho que se contrapõe ao pesadelo e fazem da obra surreal. O próprio filme também lança explicação disso na cena em que Nikki e Devon são entrevistados em um talk show. O locutor do programa, ao anunciar o fim do bloco, diz “... onde os sonhos fabricam estrelas e estrelas fabricam sonhos”. É essa a visão que o filme vende de hollywood e é isso que as sensações ao longo da obra provocam, algo que se alimenta de si próprio. Se sentir que o filme não te “vende” nada, apenas experimente as sensações que ele pode trazer – talvez seja uma viagem interessante da mais pura linguagem cinematográfica.

1 comentários:

Cássio disse...

parece não ser tão fodido quanto anticristo, mas lombras, adoro.